sábado, 29 de setembro de 2007

Números em híndi

Aprender híndi não fazia parte das minhas pretensões nestes dois meses que estou passando na Índia. Mas acontece que para pegar ônibus em Mumbai, é preciso conhecer pelo menos os números, já que na frente dos ônibus os números vêm sempre em híndi. Se eu esperar para olhar o número em algarimos arábicos (os que usamos) na lateral, não dá mais tempo de fazer sinal para o ônibus parar. Aí eu comecei a fazer uma correspondência entre os números que eu via na frente e os números que apareciam na lateral, quando os ônibus passavam. Em poucos dias consegui aprender, porque na verdade não é muito complicado decorar 10 símbolos simples, metade dos quais são parecidos com os nossos.

Por exemplo, 1, 2, 3, 9 e 0 são bico, certo? Aí você lembra que 4 é 5, que 3 virado pro outro lado é 6, que 6 deitado é 7, que 6 aberto é 8 e que o gama grego é 4. Pronto! Se quiserem praticar, é só tentar descobrir os números dos ônibus que param no ponto aqui perto de casa:

Ganesh Chaturthi (vídeo)

No vídeo abaixo, vocês vão poder ver e ouvir as celebrações do Ganpati que eu mencionei no relato anterior.
(1'30" - 12 MB)

Ganesh Chaturthi

De 15 a 25 de setembro ocorreu um festival hindu chamado Ganesh Chaturthi, ou simplesmente Ganpati. Esse festival é celebrado em toda a Índia, mas com mais intensidade em Maharashtra, o estado em que estou.

Ganesh, Lord Ganesha, Ganpati ou Ganapati são alguns dos vários nomes de um deus hindu, que tem cabeça de elefante e usa um ratinho como meio de transporte.

Durante esse período de 11 dias, algumas famílias montam um "altar" para Ganesh em suas casas, conforme suas condições financeiras.

Altar montado na casa da Monisha, amiga da Helena
Altar dos empregados do condomínio da Helena
Todos os dias, uma ou duas vezes por dia, há uma sessão de cantos e homenagens a Ganesh.

Quem monta um pequeno templo desses em casa recebe a visita de amigos, parentes e conhecidos. Geralmente, recebem e distribuem comidas e guloseimas aos visitantes, além de fazerem oferendas ao deus. Por isso, nem sempre as pessoas mais simples têm dinheiro para manter o altar montado durante todo o período, o que faz com que haja cortejos pelas ruas todos os dias.

É que no dia definido para encerramento das homenagens, a imagem de Ganesh é retirada da casa e levada para algum lugar com água, onde será finalmente imersa, num ritual que lembra o de Iemanjá. Em Mumbai, geralmente as imagens são levadas até o mar, principalmente nas praias de Chowpatty e Juhu. Mas também podem ser usados lagos, tanques e rios.

O caminho entre a casa e o mar geralmente é muito alegre, festejado tanto pelos que acompanham o cortejo, como pelas pessoas que estão na rua.

Imagens de um dos cortejos que encontrei
pelas ruas durante os dias do festival.
Apesar da beleza e da alegria, é difícil não
ficar incomodado com o estado de inanição
dos bovinos que puxam o "carro alegórico".
O altar de Ganpati na casa da Monisha era lindo, a comida maravilhosa, mas o nosso cortejo foi meio sem graça para o meu gosto. Alugaram um caminhão, com uns seis homens para ajudar a carregar a imagem, e partimos da casa dela até a praia em um comboio com mais uns 4 carros.
Paramos diretamente sobre a areia da praia.
Lá a imagem foi deixada no caminhão, cantamos mais uma vez, fizemos um pedido no ouvido de Ganesh e depois a imagem foi levada para o mar pelos ajudantes.
Eles recebem um valor simbólico pelo trabalho, que provavelmente não compensa os riscos de entrar nas águas poluídas da baía de Mumbai.
Os Ganpatis mais ecologicamente corretos são feitos de uma argila que se desintegra rapidamente e é trazida de volta. Em seguida, ela é guardada em um pote na casa das pessoas. Mas muitos Ganpatis são feitos de outros materiais e poluem as águas e as margens nos dias que se seguem.

sábado, 22 de setembro de 2007

Coisas belas

Para algumas pessoas que me escreveram demonstrando preocupação ou curiosidade, dedico esta sessão de belas imagens.

Imagem panorâmica da baía de Mumbai,
a partir do parque Kamala Nehru, perto de casa.Hotel Taj Mahal e Gateway of India
Escadaria interna e cúpula do hotel Taj Mahal
Hanging Gardens (Jardins Suspensos),
em Malabar Hill, perto de casa
Mesquita de Haji Ali
Chhatrapati Shivaji Terminus (Victoria Terminus),
estação ferroviária central de Mumbai
Detalhe de templo jainista

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Pinturas de hena



Essas pinturas são feitas com hena, que é uma tintura preparada com o pó das folhas secas de uma planta. Ainda não vi como é o processo, mas parece que usam um bastãozinho para desenhar sobre a pele; não precisa furar, como numa tatuagem. Essas pinturas são temporárias e feitas como decoração, para ocasiões especiais.

Anfitriões

Atendendo a pedidos, seguem algumas fotos dos meus anfitriões aqui na Índia. Pra quem não sabe, a Helena eu conheci quando morei em Recife, de 1987 a 1989. Estudamos francês na Aliança Francesa e, juntamente com Rodrigo e Albérico, formávamos um quarteto inseparável. Eu era o caçula da turma, também conhecido como "Carlinhos". A Helena se mudou para a Inglaterra em 1991, onde conheceu Reyaz, indiano. Depois de alguns anos, mudaram-se para a Índia, se casaram e tiveram filhos.

Helena em frente à entrada da Casa Bambino,
escola infantil da qual ela é diretora.Reyaz e Rayan no clube Breach Candy
Kyrus ao piano na sala de casa, com Helena,
a avó paterna e Rayan ao fundo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Monções

Neste momento chove torrencialmente lá fora. São as chuvas de monções.
No Brasil aprendemos que monções são ventos, e tecnicamente são mesmo. Mas aqui quando falam em "monsoon", geralmente estão se referindo ao período de chuvas, que vai de início de junho a início de outubro.Nesta época, o ar fica ainda mais úmido, mas a temperatura diminui um pouco. Sem chuva faz cerca de 32-35°C na sombra; com chuva, uns 25-28°C. Outra função da chuva é lavar as ruas e livrá-las de alguns odores desagradáveis.

Na semana passada praticamente não choveu e cheguei a pensar que as monções tinham acabado mais cedo, mas esta semana as chuvas recomeçaram. Por enquanto, não estão atrapalhando muito, porque estou no período de trabalho, mas espero que pare de chover a partir de 5 de outubro, quando pretendo viajar pela Índia.

sábado, 15 de setembro de 2007

Comentários no blog

Percebi que os meus relatos sobre Puna despertaram grande interesse e receberam muitos comentários. Fiquei feliz!

Eu queria pedir para que vocês se identifiquem quando forem enviar o comentário, porque se não recebo vários "anônimos", alguns sem assinatura. É simples. Depois de escrever o comentário e antes de clicar em PUBLICAR COMENTÁRIO, há três opções:
  • (Seu nome de tela no Blogger)
  • Outro
  • Anônimo
Basta clicar em "Outro" e digitar o nome que você quiser que apareça. Não é preciso fazer login nem ter conta no Google.

Isso facilita pra mim quando eu for aprovar a publicação do comentário. Obrigado!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Auto-rickshaw em Puna

Os rickshaws existem em diversas formas ao redor do mundo, mas por definição são movidos a propulsão humana. Aqui a maioria é motorizada e chamada de "auto rickshaw". Em Puna, eram o principal meio de transporte, superando em número os táxis convencionais. São como minicarros montados sobre lambretas. Ou seja, fazem barulho e poluem como lambretas, mas permitem levar dois ou três passageiros adultos sentados, mais bagagem. Abaixo, um vídeo que dá uma idéia da sensação de estar a bordo de um deles.

Obs.: O Houaiss só aceita as grafias riquexó, riquixá e jinriquixá, oriquexó e oriquixá.

(320 x 240 pixels - 39,2 MB - 56")

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Puna - 2.º dia

Papel higiênico
Quando acordei, precisava do papel higiênico e fui pedir na recepção. Eles disseram que não tinham. Como assim?! "No toilet paper here". Pensei comigo: não, agora vocês se superaram! Como é que vocês limpam a bunda, porra?! Diante da minha cara de ponto de interrogação, o cara me apontou o lado de fora do hotel e disse "second left" (quer dizer, disse outras coisas, mas só entendi essa parte). Tentei entrar numa segunda porta à esquerda, mas logo apareceu um vigia dizendo que ali era particular e perguntando o que eu queria. Tentei explicar que o cara do hotel tinha me dito que ali tinha papel higiênico, ele gritou alguma coisa com o cara do hotel em híndi ou marati e depois me explicou que era pra ir numa loja ao lado. Ah, agora entendi. Só que eu tinha deixado a minha carteira no quarto. Putz, resolvi voltar, pegar as minhas coisas e ir usar o banheiro da Sylvie de novo...

Passagem de volta
Depois de me fartar no bufê de café da manhã de 400 rupias do Méridien, saímos de novo. A idéia era ir num museu, mas antes eu precisava comprar a minha passagem de volta. Como não tinha mais trem nem pra dali a três dias, só me restava a opção ônibus. Interessante como as informações mudam rápido por aqui. Entre indas e vindas à estação de trem e às bancas que vendem as passagens de ônibus, o preço baixou de 250 para 220 rupias e o horário mudou de 17h30 para 17h15.

Desenvolvimento econômico
Nos últimos dez anos, somente no setor de informática, Puna viu suas exportações crescerem mais de cem vezes, passando de 25 milhões em 1996 para 3,6 bilhões em 2006. Os jornais locais falam sobre a possibilidade de um colapso da infra-estrutura. Como no Brasil, fica a dúvida sobre onde está sendo investido o dinheiro de todo esse crescimento.
Raja Dinkar Kelkar Museum
Esse museu foi formado a partir da coleção particular de um rajá, que doou ao estado em 1990 as 17.000 peças coletadas ao longo da sua vida. É o melhor museu de Puna e contém peças de civilizações indianas antigas e modernas. As peças estão em um estado precário de apresentação e conservação, mas há várias coisas interessantes. A sala mais bonita é a da foto abaixo, que foi literalmente trazida de um palácio nos arredores da cidade para dentro do museu.O prédio em si também é muito bonito, apesar do mau estado de conservação.
Despedida
A Sylvie tinha combinado de fazer um passeio com os outros testadores às 14h, então acabou ficando pouco tempo no museu. Saí pra esperar o rickshaw que a levaria de volta ao hotel e me despedir, depois voltei ao museu e terminei de ver o que tinha faltado. Como acontecia na época em que eu viajava bastante a trabalho, é sempre legal encontrar as pessoas com quem temos afinidade, mas as despedidas são tristes, porque nunca sabemos se vamos nos encontrar de novo. Acabamos esquecendo de tirar uma foto juntos e esta é a única em que ela aparece desta vez, apreensiva dentro do rickshaw.Como ela dizia, parecia que a qualquer momento uma moto ia entrar pela janela...

Resort de meditação Osho
A primeira vez que ouvi falar de Osho foi em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, onde construíram um templo em forma de gota em homenagem a ele. O Osho morreu em 1990, mas deixou uma legião de seguidores pelo mundo. Ele foi um guru moderno, que aliou religiosidade indiana e psicanálise. Viveu nos Estados Unidos durante cinco anos na década de 1980, antes de ser expulso por imigração irregular em 1985. Depois, estabeleceu sua sede em Puna, no local que eu fui visitar.Lá eu assisti a um vídeo de uns 25 minutos e depois fiz um "tour silencioso" de uns 10 minutos. Dá pra ver muito mais no vídeo, mas o legal do tour é poder ver de perto as pessoas vestidas em suas túnicas de cor vinho. Pra fazer parte da comunidade ou passar um tempo entre eles, a primeira coisa que é preciso fazer (depois de pagar, claro) é um teste de AIDS. Na metodologia do Osho, o sexo é uma das formas de alcançar a iluminação, então nunca se sabe o que pode acontecer lá dentro. Para quem tiver interesse: http://www.osho.com/Main.cfm?Area=MedResort&Language=Portuguese

Koregaon Park
Esse é o nome oficial do bairro onde fica localizada a comunidade do Osho. Mas na minha cabeça vai ser lembrado como "bairro do Osho". Assim que desci do rickshaw, fiquei impressionado com a mudança.Uma rua arborizada, limpa, com calçadas, poucas pessoas. Uma rua "normal", enfim! Depois descobri que as duas ruas paralelas também eram assim. Numa delas, há um parque grande, chamado Osho Teerth, bem arrumado. Antes deles, era um terreno baldio. Além disso, há várias mansões particulares bem cuidadas.
Ônibus
Peguei um rickshaw e fui ao meu hotel buscar a outra mochila. Depois andei até o lugar de pegar o ônibus e acabei chegando uns 30 minutos antes do horário previsto. Foi a minha sorte, porque o ônibus saiu 17 minutos antes do horário. O ônibus tinha ar condicionado, mas não havia espaço suficiente para as minhas pernas. O cara que sentou do meu lado começou a assistir um vídeo no celular dele num volume imbecil. Olhei com cara de poucos amigos e depois de alguns minutos acabou o filminho e acho que ele cansou. Aí começaram os barulhos "oficiais" do ônibus. Primeiro, música ambiente, depois o som de um filme indiano que colocaram no vídeo. Juntando-se a tudo isso os celulares que não paravam de tocar, foi difícil dormir. O ônibus demorou 1,5 hora só pra sair de Puna, por causa do trânsito e porque ia parando muito pra pegar passageiros. Em uma das paradas, chegou a esperar dez minutos uma passageira que estava atrasada. Depois que pegou finalmente a estrada, que por aqui é motivo de orgulho por ser uma rodovia com três faixas de cada lado, continuava tendo gente no acostamento, carroças, etc, e o tráfego não fluía muito bem. No meio do caminho, muitas curvas e um deslizamento de barreiras. Não consegui ver muito mais, porque o insulfilm da janela era muito escuro. Quando parecia que a coisa ia deslanchar, parada para mijar. Quando chegamos em Mumbai, mais trânsito e paradas. Finalmente, às 21h30 chegamos na Dadar Station, ponto final.

Táxi
Ao descer do ônibus já tinha vários taxistas oferecendo seus serviços. Disse para onde eu queria ir e eles ficaram fazendo perguntas, até chegarem à conclusão de que sabiam onde era e como chegar. Na última hora, entrou um amigo do taxista no banco da frente. Eu não deveria ter deixado, mas vacilei de novo. Eles não sabiam direito o caminho e, depois de uma meia hora, começaram a perguntar a outros motoristas. Quando chegamos, o cara me mostrou o taxímetro e a tabela de conversão, que dava 314 rupias, quando o esperado era umas 130. Não sei se o cara não zerou o taxímetro direito ou se foi por causa das voltas que ele deu, mas estava muito caro. De qualquer maneira, eu não tinha o que dizer. Aí fui pagar com uma nota de 500 e o cara me devolveu dizendo que era de 100. Fiquei na dúvida de novo se eu tinha me confundido ou se o cara tinha trocado a nota. Resultado: em vez dos 640 que eu achava que tinha na carteira, agora só tinha 240. Eu disse pro cara esperar que eu ia pegar a diferença em casa, mas ele não queria. Perguntou se eu não tinha dólares. Eu disse que não e sugeri que o amigo dele fosse comigo enquanto ele ficava ali esperando. Ele fez sinal de que eu estava querendo enrolá-lo. Aí apontou e pediu o meu relógio! Nessa hora eu pensei: agora passou dos limites. Abri a porta, saí do carro e liguei um foda-se bem grande pros dois.

Puna - 1.º dia

No fim de semana passado, fiz uma viagem a Puna, uma cidade de cerca de 3 milhões de habitantes, centro industrial e universitário. Em inglês, o nome da cidade se escreve "Pune" ou "Poona".

Salafrários
Saí de casa no sábado às 6h15, já que o meu trem partia às 7h10. Peguei um táxi que acabou me cobrando 400 rupias, quando o preço normal não seria mais do que 90. Depois que cheguei na estação, veio um carregador querer me ajudar a encontrar o meu vagão, assento, etc. Deixei claro que eu não queria que ele carregasse nada (eu só tinha duas mochilas pequenas) e que as informações que ele estava tentando me passar eram desnecessárias. Ele fez questão de me levar até o meu assento e, depois de se certificar de que estava tudo certo, me cobrou 50 rupias, em tom ligeiramente ameaçador. Depois de protestar em vão, acabei pagando. Depois que sentei no trem e comecei a pensar, fiquei com muita raiva dos caras, da Índia e de mim mesmo. Afinal, eu tinha pago 240 rupias pela passagem de trem e, só pra chegar no trem, já tinha gasto 450! Decidi que eu não deixaria mais isso acontecer.

Trem
O tipo de vagão que escolhi para fazer a reserva é o que eles chamam de "AC Chair", ou seja, poltrona em cabine com ar condicionado. O meu vagão era simples, mas relativamente limpo. Depois de alguns minutos, percebi que algumas pessoas estavam inquietas no vagão. É que alguém descobriu que, do lado de fora, o pessoal da estação tinha mudado o número do nosso vagão. Ou seja, o vagão que eu estava tinha deixado de ser C1 e passado a ser C2. Fomos todos para o outro vagão. O novo vagão C1 era parecido com o anterior, só que agora as cadeiras estavam viradas para o outro lado e eu teria que viajar de costas. O trem partiu um minuto antes do horário previsto e a viagem durou um pouco mais de 4 horas, como previsto. Detalhe: a distância de trem entre Mumbai e Puna é de 192 km.

A chegada
Ao chegar em Puna, a minha primeira "missão" era encontrar o hotel Le Méridien, onde estava hospedada a Sylvie Baillot, outra colega dos tempos de IBM, francesa. O hotel ficava atrás da estação e deu pra ver do próprio trem.O difícil foi conseguir chegar até lá. Havia uma passarela sobre os trilhos que tinha acabado de ser bloqueada por um pessoal que estava fazendo manutenção no telhado. Como todas as obras aqui, eles simplesmente bloqueiam e os passantes que se lixem. Tive que atravessar pelos trilhos! Depois, atravessar a avenida e caminhar pela lateral sem calçada...

O encontro
Depois de alguns minutos, a Sylvie apareceu no lobby do hotel. Eu disse pra ela que precisava de um tempo pra me refazer das experiências daquele dia. A sensação dela sobre a Índia era parecida com a minha, com a diferença que ela tinha passado a noite anterior acordada com dor de barriga e pesadelos. Durante a semana toda, ela só tinha ido do hotel para o trabalho (uma hora e quinze de trânsito) e vice-versa. Dormir e trabalhar. Não por culpa dela, que queria sair, mas porque os outros testadores tinham medo e o pessoal do laboratório desaconselhou fortemente qualquer incursão pela rua à noite.

Hotel - a busca
Depois que nós dois nos sentimos mais confiantes para enfrentar os desafios do mundo exterior, deixei a minha mochila maior no quarto dela e saímos. A próxima missão era encontrar um hotel para mim. Eu tinha selecionado algumas opções no Lonely Planet e numa lista que eu tinha conseguido no escritório de turismo de Mumbai. Demoramos muito para encontrar o primeiro, devido à dificuldade em atravessar as ruas e nos locomover em meio à turba. Chegamos no hotel que eu tinha escolhido em primeiro lugar, não muito longe da estação, mas os preços eram mais do que o dobro do que estava no guia. Ao sair do hotel, um motorista de rickshaw ofereceu para mostrar outro hotel. No meio de toda aquela confusão, achamos que seria melhor aceitar. Ele deixou claro que cobraria 10 rupias pelo serviço e nos levou direitinho num hotel não muito longe dali, ainda mais perto do hotel da Sylvie. Olhei o quarto e decidi ficar, porque queria sair logo para fazer outras coisas mais interessantes.

Hotel - check-in
O preço era 900 rupias. Com impostos, 936. Pedi para ficar no mesmo quarto que eu tinha visto, número 104. Dei duas notas de 500 e o cara não queria me dar o troco. Disse: amanhã quando você sair, você pega, porque blá blá blá. Já vacinado pelas experiências anteriores, resolvi engrossar: ou vocês me dão o troco agora, ou cancelamos tudo e vou embora. Funcionou. Depois, queriam ficar com o meu passaporte pra tirar xerox. Eu sabia que o passaporte aqui é uma exigência nos hotéis e acreditei na história dele de que precisam enviar uma cópia para a polícia, etc. Eu disse que entendia perfeitamente, mas não poderia sair de lá sem o meu passaporte de maneira nenhuma. Ele disse que eu esperasse e providenciou que alguém fosse tirar a cópia em cinco minutos. Ao sair do hotel, anotei o número do quarto no recibo.

A cidade
Caminhamos em direção à principal "artéria comercial" da cidade, chamada Mahatma Ghandi Road ou, simplesmente, M. G. Road. Lá havia várias lojas, basicamente. Depois de algum tempo, conseguimos encontrar um restaurante aparentemente confiável. Almoçamos boa comida por um preço módico.
Em seguida fomos a um memorial do Ghandi. Não entramos porque faltava só quinze minutos para fechar, mas o palácio onde ele fica e o jardim em volta eram muito bonitos e agradáveis, e permitiram que a gente sossegasse um pouco a cabeça da agitação da rua.Poluição
A imensa quantidade de veículos motorizados nas ruas causa uma poluição sonora e atmosférica incrível. Além do cheiro da fumaça, depois de algum tempo comecei a sentir a minha garganta arranhando. No segundo dia, parecia que tinha uma pedra na glote. Até hoje o meu pulmão ainda não voltou ao normal.

A noite
Finalmente, voltamos ao Méridien, porque a Sylvie estava querendo ir no banheiro fazia tempo e não conseguimos encontrar nenhum utilizável. No restaurante não tinha banheiro e no memorial tinha um que, segundo ela, não dava para usar porque estava sem luz. A idéia era só dar uma descansada lá e procurar outro lugar pra jantar, na verdade um restaurante que estava indicado no guia. Mas uma vez na segurança do hotel, não tivemos coragem de sair de novo e preferimos comer por lá mesmo.Depois, como no meu hotel só teria água quente das 6h às 8h da manhã e eu gosto de tomar banho antes de dormir, acabei usando o chuveiro da Sylvie antes de ir embora.

Hotel - o retorno
Já que o meu hotel era perto do Méridien, resolvi ir a pé. Só que eu não conseguia encontrá-lo de maneira nenhuma. As ruas estavam completamente escuras e eu não conseguia mais reconhecer os pontos que tinha observado durante o dia. As calçadas repletas de gente dormindo. Fui e voltei várias vezes, e comecei a entrar em pânico. Fiquei imaginando a impressão que aquele estrangeiro, carregando duas mochilas e andando pra lá e pra cá, estaria causando nas pessoas do lugar. Eu tinha o endereço do hotel, mas as ruas aqui raramente têm placas com o nome. Começaram a aparecer pessoas oferecendo ajuda, principalmente motoristas de rickshaw, mas também mendigos e outros. Finalmente resolvi aceitar a ajuda de um cara com jeito de honesto e que se dizia amigo do dono do hotel. Realmente, ele me levou direitinho para lá. Pensei: ufa, agora é só pegar a chave do quarto e tentar dormir. Disse o número do quarto e o cara disse que o número tinha mudado. Como mudado? Eu disse que não aceitava, mostrei o meu nome no livro do hotel, ele tentou explicar alguma coisa, eu não estava para muita conversa. Aparentemente ele queria dar o meu quarto para outro hóspede que tinha acabado de chegar. Consegui a minha chave e subi com cara de poucos amigos.

Hotel - o quarto
Ao chegar no quarto, tudo estava em ordem, exceto pela falta de papel higiênico. Fiquei pensando se a vontade estava grande ou se poderia deixar para a manhã seguinte. Resolvi deixar.A cama só tinha o lençol de baixo, não o de se cobrir. Além disso tinha duas mantas leves, mas que certamente já tinham sido usadas por outros hóspedes antes. Eu não queria encostar aquilo na pele diretamente. Peguei no sono sem me cobrir mesmo, mas no meio da noite os mosquitos começaram a atacar e precisei ligar o ventilador do teto. Aí resolvi tirar o lençol que estava cobrindo a outra cama. Tudo bem, voltei a dormir. Às cinco da manhã, toca uma campainha estridente. Levanto de um pulo e, ao abrir a porta, um indiano do lado de fora diz: "Ah, sorry". Pata que pariu...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Confusão dos sentidos

A Índia é um país de extremos e de contrastes. Depois de uma semana aqui, acho que estou finalmente conseguindo perceber o que tem me deixado tão confuso e, por vezes, desesperado.

Tudo é muito intenso e solicita os meus cinco sentidos ao extremo o tempo todo. Barulhos, cheiros, imagens, toques e gostos me agridem. De um lado, o ruído infernal das buzinas e dos motores; do outro, uma música melodiosa ou ritmada que se insinua inesperadamente. Há o fedor de escapamento, esgoto, carniça, podridão, mas há a fragrância das especiarias, dos incensos. Na boca, o gosto amargo da poluição, um pigarro sólido que arranha a glote; mas também o sabor delicioso da culinária indiana. O toque de um semelhante no meu braço me faz sentir que estou vivo e acordado, calor humano; mas fere quando esse semelhante é tão diferente, miserável, desdentado, faminto, sujo, pedinte. As cenas que os olhos vêem podem ser grotescas, dantescas, ou então lindamente fascinantes.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Marine Drive

Depois de vencer mais alguns obstáculos, cheguei à avenida da orla, chamada de Marine Drive. Ali encontrei um lugarzinho tranqüilo para sentar, relaxar e pensar. Aproveitei pra fazer um filminho, onde explico algumas coisas. O som deve estar ruim, por causa do vento e do barulho dos carros.
(320 x 240 pixels - 24,3 MB - 46")

Churchgate Station

Esta é uma das principais estações de trens de subúrbio de Mumbai. Uma das placas dirigidas aos usuários diz algo como:
"Sua viagem de casa para o trabalho está ficando mais prática e confortável.
Trens mais longos, mais freqüentes e melhores."
Depois de ir ao escritório municipal de turismo e conseguir atravessar a rua/avenida, entrei na estação para ver como era por dentro. Uma profusão de letreiros de propaganda por todos os lados. Entrei no banheiro, que não era pior do que outros que já vi neste mundo. Em outro local, observei uma série de torneiras com uma placa "Drinking Water" (água potável). Fiquei tentado a encher a minha garrafinha, mas lembrei de todas as recomendações de não tomar água na rua. Hesitei, pensei que se aquela placa foi colocada por alguma autoridade, devem ter certeza de que a água não é contaminada. Mas acabei deixando pra lá, melhor não arriscar logo no segundo dia...

Em seguida me dirigi às plataformas, onde tirei algumas fotos.
Esta abaixo mostra como é fácil encontrar o destino pretendido... (Está em híndi, mas depois descobri que tem a tradução em inglês do lado de trás!)
Observei que há vagões segregados para (quase) todo tipo de gente. Vagões só para mulheres durante as 24 horas do dia...
outros só para mulheres em alguns horários do dia, outros só para idosos, outros para deficientes físicos e portadores de câncer...
sem contar as divisões em 1.ª, 2.ª e 3.ª classe.
Este, por exemplo, é um vagão de segunda classe:
Já este outro, de primeira classe.
Viram como é muito melhor?!!!...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Atravessar a rua

Além dos carros trafegarem na mão inglesa, o que me dá a sensação de estar vivendo dentro de um espelho, o trânsito é confuso, buzinam sem parar, há poucos semáforos e os pedestres são os últimos na cadeia de prioridades.

Hoje saí de casa sozinho pela primeira vez, mas foram apenas algumas horas, para me acostumar aos poucos. Atravessar a rua foi uma das minhas maiores dificuldades por enquanto. A minha primeira travessia levou cerca de cinco minutos, entre a preparação psicológica e o ato de me aventurar no meio do trânsito. Tentei olhar mais longe, pra ver se não tinha algum lugar mais seguro para atravessar, mas não encontrei. Também procurei algum grupo maior de pessoas para entrar no rebanho, mas também não. Acabei observando como um ou outro fazia e tentei imitá-los. A avenida tinha três faixas em cada sentido. Consegui atravessar as três primeiras quase de uma vez só, mas depois fiquei literalmente no meio da avenida, que não tinha canteiro central. Nesse momento achei que seria prensado entre um taxi e uma lambreta que se aproximavam em sentidos opostos, mas ou eu emagreci ou eles têm uma noção espacial muito melhor do que a minha.

Depois de cerca de um minuto fazendo papel de divisória, surgiu uma brecha do outro lado e consegui alcançar a calçada que me levaria à estação de trem, a próxima aventura...

O vídeo abaixo mostra pessoas atravessando em uma outra esquina, infelizmente muito menos emocionante do que o lugar que descrevi acima. Mas dá pra ter uma idéia. Não se esqueçam de ligar o som.

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Festival Govinda

Terça-feira, meu primeiro dia aqui na Índia, foi dia de um festival chamado Govinda. Não lembro muito bem os nomes das coisas, mas eles montam umas equipes que ficam percorrendo a cidade para tentar quebrar uns potes de manteiga ou "butter milk" presos em lugares altos. Diz a lenda que Krishna era um menino travesso que gostava de roubar esses potes e o festival é em homenagem a ele.

A idéia é formar uma pirâmide humana para alcançar o pote e, ao chegar lá, quebrá-lo para derramar o líquido colocado dentro.

Esse vídeo que vocês podem ver abaixo foi feito num conjunto de prédios a apenas duas quadras do apartamento da Helena. Esse foi um dos meus primeiros momentos fora de casa.

(320 x 240 pixels - 32 MB)


Hoje de manhã li no jornal que pelo menos 50 pessoas quebraram algum osso do corpo ao cair das pirâmides, somente aqui em Mumbai.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

A maior democracia do mundo

Esse epíteto descrevia a Índia em um cartaz no consulado de São Paulo.

Cheguei aqui na segunda-feira à noite e devo confessar que o choque cultural foi maior do que eu esperava, mesmo tendo sido alertado por alguns amigos.

Devido a esse abalo psico-emocional, ficam suspensos os relatos finais sobre a Dinamarca, pelo menos provisoriamente.