Enquanto eu preparava o meu café da manhã, apareceu um cara procurando o caseiro. Era um motorista de táxi, conhecido do Reyaz, que tinha vindo ligar o carro, para ver como estava a bateria. Ela estava arriada, o que me rendeu uma carona até Panjim, o meu destino turístico de hoje e onde ficava a auto-elétrica em que o carro seria consertado.
Panjim é a capital do atual estado de Goa. Desde a expulsão dos portugueses em 1961 até o final da década de 1980, Goa era considerada território da União Indiana, quando entou passou a ser o 25.º estado do país.
Passei o dia inteiro lá e percebi que a minha maior curiosidade era mesmo a herança portuguesa. Visitei ruelas, fontes, igrejas, passei por casarões e palácios em estilo colonial. Como bem descreveu o meu guia (livro), Panjim é a menor e mais acolhedora capital de estado na Índia. As pessoas são simpáticas, calmas, atenciosas, e não ficam tentando enrolar os turistas. As ruas têm menos carros e mais calçadas.
Satisfeita a minha curiosidade visual, eu precisava saciar a curiosidade lingüística. Fui almoçar num restaurante chamado Ferradura (também conhecido como "Horse Shoe"), que pelo cardápio mencionado no guia, parecia ser autenticamente português. Logo ao entrar ouvi um gajo a conversar em lusitano com os clientes de uma mesa. Sentei em outra mesa mais afastada, perguntei ao garçom se o dono era português e disse que gostaria de conversar com ele. Depois de um tempo ele veio, conversamos um pouco, descobri que ele é um pouco português, um pouco angolano e um pouco goês.
Depois de comer o meu balchão de peixe (uma espécie de moqueca, mas com molho mais grosso e sem leite de coco), provei também uma sobremesa típica. Ao sair, passei na outra mesa e me apresentei. Descobri que eles eram de uma equipe da RTP que está fazendo um documentário sobre a diáspora portuguesa em Goa.
Segui para o Arquivo Histórico, onde fui encaminhado a um tal Agnello Fernandes, que conversou comigo em português e me trouxe um famoso Roteiro, com praticamente tudo o que se publicou em português em Goa dos séculos XVI a XIX. Não era exatamente o que eu estava querendo. Segui para a Fundação Oriente, onde também pedi para conversar com alguém que falasse português. Enquanto eu esperava, fiquei folheando exemplares gratuitos de duas revistas e um livro bem interessantes, sendo que o livro contém uma série de ensaios sobre a Índia pós-independência.
A moça me indicou outras estantes com livros. Escolhi três e li principalmente um, que contava muitas coisas sobre o período que mais me interessava - do final da era portuguesa até os dias de hoje - com informações interessantes sobre Panjim. Outro trazia fotos de quase todas as casas da cidade, mesmo as mais destruídas, comentando rapidamente dados de arquitetura, história, etc.
Ao sair da Fundação Oriente, encontrei de novo a equipe da RTP e comentei com a fotógrafa que eu estava indo à Biblioteca Central (antiga Biblioteca Nacional de Goa), sobretudo por causa dos azulejos na entrada, que retratavam episódios dos Lusíadas. Ela me deu duas dicas: a primeira, que fosse pela manhã, pois a luz incide de maneira favorável à fotografia; a segunda, que lá havia uma tal de Maria de Lourdes que também falava português.
Ao entrar na biblioteca, tinha uma livraria, onde acabei comprando um livro de um goês lusófono que viveu o período da transição. Depois fui à parte da biblioteca propriamente dita, onde perguntei pela tal Maria de Lourdes. Me apresentei, expliquei as minhas curiosidades, mas ela trouxe livros muito antigos, que não eram exatamente o que eu estava procurando. Em compensação, a conversa dela estava muito interessante e ficamos conversando uma meia hora. Ela é bibliotecária com especialização em História de Goa, dá palestras em Portugal, já foi assunto de um programa português sobre Goa e foi entrevistada para o documentário que aquela equipe da RTP está fazendo aqui.
Depois de um tempo, ela acabou me convidando para um chá, com o marido e a filha, que viriam buscá-la. Comi mais algumas comidas típicas daqui e me senti bem em meio a essa família semi-indiana num restaurante simples. Percebi que na família, eles acabam falando mais inglês (filha) e concani (marido), embora a mãe tenha um amor indisfarçável pela língua portuguesa.
terça-feira, 9 de outubro de 2007
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2 comentários:
Cadê a foto??? O relato é incrível.
Interessante saber que a colonização portuguesa, mesmo que pequena, deixou raízes profundas.
Carlos,
"Minha Pátria é minha Língua."
Teus textos estão cada vez melhores.
Parabéns.
E vivas à lusofonia!!!
Rodrigo Garcia
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